segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Filadélfia


Filadélfia

As cartas do Senhor às sete igrejas na Ásia confirmam o mesmo ponto (Ap 2 e 3). Se voltarmos às observações do Senhor àquelas igrejas, poderemos ver que há um terreno eclesiástico – um testemunho coletivo na Terra – o qual Ele aprova. Não podemos senão pensar que é aí onde o Senhor queria que estivéssemos, e aonde o Espírito de Deus conduziria crentes exercitados.
Como mencionado antes, essas cartas apresentam a história profética da Igreja. Cada assembleia, consecutivamente considerada, representa estágios através dos quais toda a Igreja passaria na história. É significativo que a vinda do Senhor é mencionada em cada uma das quatro últimas igrejas, mas não é encontrada nas três primeiras. Isso indica que o que existiu historicamente nos três primeiros períodos saiu de cena, mas o que é apresentado nas quatro últimas igrejas continua até que o Senhor venha. As quatro últimas igrejas são: Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia. Elas apresentam quatro condições existentes hoje no testemunho público da Igreja.

A assembleia de “Tiatira” representa o poderoso sistema que se levantou na Igreja por volta de 580 d.C. conhecido como catolicismo (Ap 2:18-29). Ele retrata o período em que esse sistema eclesiástico governou a Igreja e o mundo (na Europa). A palavra Tiatira significa “sacrifício contínuo” e se refere à missa católica. “Jezabel” representa o ensino perverso do catolicismo. Ela chamava a si mesma de “uma profetisa” e assumiu um papel na Igreja que Deus nunca deu a ela. Ela começou a “ensinar e seduzir” seus súditos com suas doutrinas e práticas malignas. O sistema católico criou seus dogmas e os forçou na profissão Cristã e no mundo.
Uma vez que a vinda do Senhor é mencionada em Suas observações à Tiatira (Ap 2:25), entendemos que aquilo que esta igreja representa continuará até que Ele venha – o Arrebatamento. Na verdade, continuará depois do Arrebatamento até a metade do período de sete anos de tribulação – sob a figura do Mistério, a grande Babilônia (Ap 17). Este grande sistema eclesiástico é facilmente identificado no mundo hoje.

A assembleia em “Sardes” representa o protestantismo, que começou em 1529 d.C. (Ap 3:1-6). A palavra “Sardes” quer dizer “aqueles que escapam” e representa o que aconteceu naquela época. Assim como Jeú no passado foi usado para quebrar a influência que Jezabel tinha sobre o reino de Israel (2 Rs 9-10), Deus levantou os reformadores e os usou para quebrar o poder do catolicismo. Isso permitiu que muitos santos escapassem de suas garras. As duas coisas principais que os reformadores insistiram foram a supremacia da Bíblia sobre a Igreja e a salvação apenas por fé.
É significativo que o Senhor disse a esta assembleia, “não achei as tuas obras perfeitas [completas – TB]. O que começou no poder do Espírito tornou-se algo frio, formal, numa ortodoxia[1] morta. Os reformadores se voltaram ao Estado por proteção contra a perseguição da igreja de Roma e estabeleceram as grandes igrejas nacionais no protestantismo que existem até hoje. A assembleia em Sardes representa a condição das coisas na Cristandade depois que o impulso da Reforma passou. Descreve no que os reformadores caíram – protestantismo. É triste dizer, os reformadores saíram do catolicismo, mas, infelizmente, o catolicismo não saiu inteiramente deles. Assim, as igrejas protestantes têm muito dos princípios e práticas católicas.
Novamente, a vinda do Senhor é mencionada em Sardes. É na verdade a Sua Aparição, que ocorre depois da grande tribulação (Ap 3:3). Isto quer dizer que o protestantismo continuará até o Arrebatamento, e além dele. A religião do Cristianismo, no que se refere às práticas exteriores da Igreja, será destruída no meio da semana profética, mas os professantes sem vida conectados a ela permanecerão para serem julgados na Aparição de Cristo. Como em Tiatira, o que Sardes representa no mundo Cristão é também facilmente identificável hoje nas grandes igrejas nacionais protestantes e igrejas dissidentes que surgiram a partir delas.

A assembleia em “Filadélfia” representa o movimento na Igreja que começou em 1827 d.C. (Ap 3:7-13). “Filadélfia” quer dizer “amor fraternal” e significa o estado feliz de um testemunho remanescente de crentes que foram exercitados a retornar aos primeiros princípios em relação à ordem e prática da assembleia.
Em cada uma das igrejas anteriores, o Senhor Se descreveu de acordo com uma das características as quais João viu no capítulo 1. Mas ao dirigir-Se a essa igreja Ele Se apresenta de modo inteiramente novo; isto significa um novo início. Até agora, havia um remanescente de crentes fiéis que caminhavam sozinhos como indivíduos (Ap 2:24-25, 3:4), mas nesse momento, o Senhor trouxe à existência um testemunho remanescente em sentido coletivo.
O Senhor Se apresenta a esta igreja de três maneiras. Ao apreendê-Lo nesses carácteres, três grandes coisas resultaram naquele momento. Em primeiro lugar, o Senhor disse, “o que é Santo, o que é Verdadeiro”. Cristãos exercitados viram o Senhor em Seu verdadeiro caráter e entenderam que para ter comunhão com Ele, santidade e verdade eram exigidas deles. Isto os levou por vários exercícios em relação à separação do mal, e resultou em quebrar todos os jugos desiguais – seculares e eclesiásticos (2 Tm 2:19-22).
Em segundo lugar, o Senhor Se apresenta como tendo “a chave de Davi”. Esta é uma referência às profecias do Velho Testamento concernentes ao Messias de Israel (Is 22:22). São profecias conectadas com as promessas feitas a Davi em relação a Cristo, que sairia de sua descendência para reinar em Seu reino. Naquele tempo, o Senhor abriu aos santos o entendimento de assuntos proféticos. Daí resultou um despertar geral e interesse pela profecia na profissão Cristã. Ao aprender assuntos proféticos, eles descobriram que a Igreja não tinha parte nas bênçãos terrenais futuras de Israel, mas tinha suas próprias bênçãos distintas e celestiais. A eles foi dado conhecer a verdadeira natureza e o chamado da Igreja, bem como seus arranjos práticos para a adoração e ministério enquanto estivessem na Terra. A completa revelação da verdade Cristã que uma vez foi dada aos santos (Jd 3) foi recuperada naquele tempo – incluindo a verdade da vinda do Senhor (o Arrebatamento).
Em terceiro lugar, o Senhor Se apresenta a esta igreja como “O que abre, e ninguém fecha; e fecha, e ninguém abre”. Isto aponta para o fato de que o que aconteceu naquele tempo foi um movimento da soberania de Deus que nenhum homem ou o diabo poderia parar. Apreender isto deu a todos aqueles ligados a este testemunho a coragem de se reunirem para a adoração e ministério de acordo com a simplicidade das Escrituras, e não havia nenhum homem que pudesse impedi-lo (compare Atos 28:31).
É significativo que esta igreja é marcada por ter “pouca força”. Eles tinham o mesmo poder espiritual que a Igreja primitiva tinha (At 4:33), mas era em “pouca” porção. Então, este despertar não foi um movimento de larga escala no mundo. Não tinha um grande status no mundo, tal como tinha a igreja católica e as igrejas do protestantismo. O guardar a Sua “Palavra” também marca esta igreja. Historicamente, aqueles conectados a este movimento eram conhecidos por serem estudantes das Escrituras (At 17:11). Esta igreja é também conhecida por não negar Seu “nome”. Eles abandonaram todos os nomes denominacionais e títulos e estavam felizes de se reunirem simples e somente ao Seu nome (Mt 18:20).
Eles são recomendados por guardarem a Palavra da Sua “paciência”, a qual é um aspecto da verdade que tem a ver com a esperança da vinda do Senhor (v. 10). Guardando-a (não apenas a conhecendo) os fez estrangeiros celestiais neste mundo. Então, como peregrinos, não se envolvem em assuntos políticos do mundo. O Senhor prometeu a esta igreja que Ele viria “sem demora” (v. 11). Isto se refere à iminência da Sua vinda, a qual estava particularmente diante deles.
O Senhor avisou aos filadelfienses do perigo de não guardarem o que lhes foi dado e consequentemente perderem a “coroa” (v. 11). Um perigo sempre presente ao filadelfiense é renunciar a verdade que Deus lhe deu. Ora, isto foi exatamente o que aconteceu com alguns que estavam conectados a este movimento. Eles abriram mão de porções e partes da verdade recuperada neste período e foram afastados e dispersos em divisões entre irmãos e nas igrejas denominacionais.
É significativo que Filadélfia é a única das quatro igrejas que vai até o final e que o Senhor não encontra nada para julgar. Diferentemente das outras igrejas, não há uma palavra de condenação dada a eles. Eles não são chamados a se “arrependerem”, como foi o caso com as outras igrejas, porque já estavam em um estado de arrependimento. Eles sentiram o estado partido e arruinado da Igreja como um todo e confessaram sua parte em seu fracasso público (compare Daniel 9; Esdras 9; Neemias 9). Está claro, portanto, que esse é um testemunho coletivo que o Senhor aprova. É óbvio que esta é a posição eclesiástica onde o Senhor quer que estejamos.
Uma vez que o Senhor menciona Sua vinda para aqueles em Filadélfia, sabemos que o que esta igreja representa continua até o Arrebatamento. Podemos nos regozijar que exista alguma posição eclesiástica na Cristandade hoje em dia que encontra aprovação do Senhor. No entanto, já que este testemunho carrega um caráter de remanescente, não é fácil identificá-lo na Cristandade, como são Tiatira e Sardes. Isso pode exigir algum exercício e alguma busca para encontrá-lo.

A assembleia em “Laodiceia” representa a condição da Igreja que brotou a partir do que teve lugar em Filadélfia (Ap 3:14-22). Isto se iniciou no final da segunda metade do século 19. O que é descrito em Laodiceia corresponde ao testemunho da Igreja em seus últimos dias. “Laodiceia” significa “os direitos do povo” e indica as ideias democráticas modernas que influenciaram a Igreja nestes últimos dias. A formação de igrejas independentes, que escolhem seus anciãos e nomeiam seus pastores, caracteriza esse último período. O resultado é que muitas igrejas ditas “evangélicas” surgiram na Cristandade.
Laodiceia descreve uma parte no testemunho Cristão que é caracterizado pela grandeza autossuficiente que se imagina dotada de riquezas espirituais e poder, mas na realidade é “um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu”. Em vez de o Senhor avaliar o estado da assembleia em Laodiceia, como fez nas igrejas anteriores, os laodicenses O colocaram para fora da sua porta e assumiram Seu lugar e avaliaram sua própria condição como sendo ricos e bons! Isto é realmente inacreditável. O estado daqueles em Laodiceia era “morno” e tão repugnante ao Senhor que Ele anunciou que estava prestes a “vomitá-los” de Sua boca. Isto ocorrerá em Sua vinda – o Arrebatamento.
Laodiceianismo é ter a luz e verdade de Filadélfia, mas sem o seu poder no nosso caminhar. É a retenção da verdade recuperada nos tempos de Filadélfia (ou de suas partes) nominal ou intelectualmente, mas sem ter qualquer influência moral sobre a vida da pessoa. Por exemplo, a maioria dos Cristãos evangélicos acredita na verdade da vinda do Senhor (o Arrebatamento) a qualquer momento, mas com muitos, isto tem pouco ou nenhum efeito prático na vida pessoal deles. Como resultado, em vez de fazer a Igreja mais peregrina em caráter, ela se tornou mais mundana do que nunca.
Esta igreja é marcada por uma indiferença grosseira aos apelos de Cristo. É o retrato de uma igreja sem Cristo, que colocou o Senhor da glória fora de sua porta. É difícil de acreditar que eles tiveram a audácia de excomungar a Cabeça da Igreja – pelo menos na prática! Tal é a lamentável condição que marca a Cristandade moderna nestes últimos dias. Esta é a figura solene com a qual se encerra o capítulo 3, e com isso, a história da Igreja na Terra.

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Olhando atentamente o que essas quatro igrejas representam, vemos que há apenas um testemunho coletivo dentre os quatro que o Senhor aprova. Se Ele tivesse que escolher colocar Seu nome em algum lugar na Terra, e lá estivesse reunindo Cristãos (Mt 18:20), teria que ser Filadélfia. Não podemos pensar que o Espírito de Deus conduziria pessoas a qualquer lugar senão àquele que tem a aprovação do Senhor. O exercício pessoal de cada Cristão deveria ser o de estar identificado com o que Filadélfia representa, embora possa ser mantido em muita fraqueza.
As últimas duas igrejas descrevem partes eclesiásticas na Cristandade, mas também descrevem dois estados espirituais na Igreja. É possível, portanto, estar conectado à posição eclesiástica de Filadélfia, mas estar no estado de Laodiceia. O livro de Malaquias ilustra este ponto. O povo naquela época estava na posição correta (em Jerusalém), mas em uma condição errada (espiritualmente). Portanto, no momento em que pensamos que somos Filadélfia, provamos que somos Laodiceia. Verdadeiros Filadelfienses não estão ocupados consigo mesmo e seu testemunho; eles estão ocupados com o Senhor e tentando agradá-Lo.


[1] N. do T.: Ortodoxo provém da palavra grega “orthos” que significa “reto” e “doxa” que significa “fé”. É o que está em conformidade com a doutrina tida como verdadeira.

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