Princípios de Recepção
Importar-se
com a glória de Deus, com relação ao que trazemos à comunhão, é algo que
praticamente não existe na Cristandade hoje. Mesmo assim, a Bíblia ensina que a
assembleia deve ter o cuidado em não trazer alguém à comunhão que possa estar
envolvido com o mal, seja esse mal moral, doutrinal ou eclesiástico. O
princípio é simples. Se uma assembleia local é responsável por julgar o mal em
seu meio, tirando de comunhão os que o praticam (1 Co 5:12), então é natural
que ela deva ser cuidadosa com o que ou quem ela introduz em seu meio.
Tem
sido corretamente dito que a assembleia local não deve possuir uma comunhão
aberta e nem deve ter uma comunhão fechada, mas sim, uma comunhão vigiada. A assembleia deve receber à
mesa do Senhor todos os membros do corpo de Cristo a quem a disciplina bíblica
não impeça. Se, por um lado, todo Cristão possui o direito de estar à mesa do
Senhor, por outro nem todo Cristão possui necessariamente o privilégio de estar
nela, pois este privilégio pode ser perdido por seu envolvimento com alguma
forma de mal.
Quem Decide Quem Deveria Estar em Comunhão?
É
importante entender que os irmãos na assembleia local não decidem o que é adequado à mesa do Senhor e o que não é. A
Palavra de Deus decide. A razão é que a mesa não é dos irmãos; ela é “a mesa do Senhor” (1 Co 10:21). As
preferências pessoais dos que fazem parte da assembleia não têm nada a ver com
recepção. A Palavra de Deus decide tudo. Se não existir um motivo bíblico para
recusara a alguém a comunhão à mesa do Senhor, tal pessoa deve ser recebida. Se
um crente já tiver sido batizado, for são na fé e piedoso em seu andar, não
existe motivo para ser rejeitado. O nível de conhecimento da Escritura não é um
critério neste sentido. Ainda que seja um crente limitado em seu conhecimento,
a Escritura diz: “Mas acolhei o que é
fraco na sua fé, não para discutir as suas dúvidas” (Rm 14:1 – TB).
Todavia,
nem sempre se pode determinar de imediato se alguém é são na fé e piedoso em
seu andar. Quanto maior a confusão no lugar de onde a pessoa tiver saído, seja
do meio Cristão ou do mundo, maior a dificuldade de se determinar essas coisas.
Se for este o caso, a sabedoria indicará que a assembleia deveria pedir à
pessoa que tem o desejo de estar em comunhão que aguarde. Isto não significa que a assembleia esteja
afirmando que tal pessoa tenha alguma associação com o mal. Poderia até ser o
caso, porém os irmãos simplesmente não sabem, e devem esperar até que estejam
convencidos de não ser este o caso, pois eles são, em última análise, os
responsáveis diante de Deus pelas pessoas que são recebidas em comunhão. A
Escritura ensina: “A ninguém imponhas
precipitadamente as mãos, nem participes dos pecados alheios” (1 Tm 5:22).
Este versículo fala da comunhão pessoal com alguém numa base individual, mas o
princípio é amplo o suficiente para guiar os santos na comunhão coletiva da
assembleia à mesa do Senhor. Alguém maduro e piedoso não se sentirá ofendido
com isso, pois certamente nenhum Cristão piedoso iria querer que a assembleia
violasse um princípio bíblico. Na verdade, todo esse cuidado deveria dar a ele
a confiança de estar entrando em uma comunhão de Cristãos onde existe a
preocupação com a glória do Senhor e a pureza da assembleia.
Os Testemunhos Pessoais Não Seriam Suficientes?
Outro
importante princípio sobre o qual a assembleia, funcionando de maneira bíblica,
vai agir é que não fará coisa alguma pela boca de uma testemunha. Tudo o que se
refere à assembleia deve ser feito de acordo com este princípio: “Por boca de duas ou três testemunhas, toda
questão será decidida” (2 Co 13:1 – ARA). Confira também o que diz em João
8:17 e Deuteronômio 19:15. Por esta razão a assembleia não deve receber pessoas
com base no testemunho delas mesmas. As pessoas naturalmente costumam dar um
bom testemunho de si mesmas, como a própria Escritura afirma: “Todos os caminhos do homem são limpos aos
seus olhos” (Pv 16:2). E: “Quem fala
de si mesmo busca a sua própria glória” (Jo 7:18). Por isso pode ser
preciso pedir a uma pessoa que deseja entrar em comunhão que aguarde até que
outros da assembleia a conheçam melhor, e então a assembleia pode recebê-la com
base no testemunho de outros.
Este
é um princípio que encontramos por toda a Escritura. Até mesmo o Senhor Jesus
Cristo, o Senhor da Glória, sujeitou-Se a este princípio quando Se apresentou
aos judeus como seu Messias. Ele disse; “Se
Eu testifico de Mim mesmo, o Meu testemunho não é verdadeiro [válido]” (Jo 5:31). Em seguida Ele continuou apresentando quatro outros
testemunhos que comprovavam Quem Ele era: João Batista, Suas obras, Seu Pai e
as Escrituras (Jo 5:32-39). Apesar dos vários testemunhos que testificavam d’Ele
como sendo o Messias, o Senhor advertiu aos judeus de que chegaria um tempo
quando a nação receberia um falso messias (o anticristo) sem testemunhos. Ele
disse: “Se outro vier em seu próprio
nome, a esse aceitareis” (Jo 5:43). Assim o Senhor reprovou a prática de se
receber alguém com base em seu próprio testemunho apenas.
Atos
9:26-29 nos dá um exemplo do cuidado que a Igreja primitiva tinha ao receber
alguém à comunhão. Quando Saulo de Tarso foi salvo, ele quis entrar em comunhão
com os santos em Jerusalém, porém foi rejeitado. Apesar de ser verdade tudo o
que ele deva ter dito aos irmãos em Jerusalém sobre sua vida pessoal, mesmo
assim ele não foi recebido com base em seu próprio testemunho. Foi só quando
Barnabé levou Saulo consigo e o apresentou aos irmãos, testificando de sua fé e
caráter, de modo que havia o testemunho de dois homens, que os irmãos o
receberam. Daquele momento em diante Saulo “andava
com eles em Jerusalém, entrando e saindo” (At 9:28).
O Teste da Profissão da Pessoa
Outro
princípio para se receber alguém é que existe a necessidade de se colocar à
prova a profissão de fé da pessoa. Se alguém diz ser Cristão, é preciso que
prove isso deixando de lado todo pecado conhecido. Em 2 Timóteo 2:19 diz que “qualquer que profere o nome de Cristo
aparte-se da iniquidade”. Veja também Apocalipse 2:2 e 1 João 4:1. Se essa
pessoa não se apartar da iniquidade, ele não é verdadeiro em sua confissão de
fé. Isto é ainda mais importante em uma época de ruína e abandono do testemunho
Cristão, quando abundam doutrinas e práticas perniciosas de todos os tipos.
Se
uma pessoa sustenta má doutrina, está claro que a assembleia não deve
recebê-la, pois se o fizer ficará em comunhão com o mau ensino. (Compare 2 Jo
9-11). Não falamos aqui das diferenças que as pessoas possam ter a respeito de
assuntos como o batismo, por exemplo, mas de coisas que digam respeito aos
fundamentos da fé Cristã. A Escritura diz: “Ora,
o Deus de paciência e consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os
outros, segundo Cristo Jesus. Para que concordes, a uma boca, glorifiqueis ao
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto recebei-vos uns aos outros,
como também Cristo nos recebeu para glória de Deus” (Rm 15:5-7). Se alguém
que professasse má doutrina fosse recebido, como se poderia dizer que a
assembleia estaria concorde e “a uma
boca” glorificando a Deus? Os irmãos na assembleia estariam dizendo uma
coisa e essa pessoa dizendo outra. O resultado seria confusão. O apóstolo Paulo
disse aos Coríntios: “Rogo-vos, porém,
irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma
coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo
pensamento e em um mesmo parecer” (1 Co 1:10).
Associações Eclesiásticas
Paciência
e discernimento são precisos para identificar o mal eclesiástico em alguém.
Existe uma diferença entre alguém estar associado ao erro clerical por
ignorância e uma pessoa ativamente envolvida e promovendo tal erro. Um crente
que desconhece a ordem bíblica para a adoração e o ministério Cristão pode vir
à assembleia e querer partir o pão à mesa do Senhor vindo de uma denominação
criada por homens e onde seja adotada uma ordem clerical. Ainda que essa pessoa
esteja associada ao erro eclesiástico, ela não está, nesse ponto, no mal eclesiástico. E se tal pessoa for
conhecida por sua piedade no andar e professar sã doutrina, não deveria haver
impedimento para que ela partisse o pão, mesmo que não tenha se desligado
formalmente de sua associação com aquela denominação.
A
grande questão é: “quando uma associação inconsciente com o erro eclesiástico
se torna um mal eclesiástico?” Cremos que a resposta é quando a vontade da
pessoa está envolvida nisso. Para detectar essa vontade é preciso que a
assembleia tenha um discernimento sacerdotal. Em casos assim a assembleia
precisa depender muito do Senhor para conhecer a Sua mente a respeito do
assunto. Em condições normais os irmãos deveriam permitir que essa pessoa
partisse o pão, esperando e confiando que Deus estaria trabalhando em seu
coração e que ela, após ter participado da ceia do Senhor, iria abandonar
aquele terreno em que tinha estado antes, e continuar com aqueles reunidos ao
nome do Senhor.
Esse
princípio é visto na passagem em 2 Crônicas 30 e 31. Ezequias chamou o povo de
Judá e os das dez tribos dispersas para virem ao divino centro em Jerusalém e
participarem da Páscoa. Ele não insistiu que eles destruíssem seus ídolos antes
de virem. Depois de que vieram e apreciaram a Páscoa em Jerusalém, eles
voltaram para casa e destruíram seus ídolos e imagens. (Não estamos insinuando
que as denominações criadas pelos homens na Cristandade sejam comparáveis à
idolatria. Estamos falando apenas do princípio de uma pessoa se desconectando
de um erro religioso anterior). O que é interessante notar neste caso é que
Ezequias não lhes falou para agirem assim! Aquilo foi uma resposta vinda do coração
deles pelo simples fato de terem estado na presença do Senhor em Jerusalém.
Todavia, se alguém deseja continuar indo a ambos os lugares regularmente, isto
não deveria ser permitido. Como assinalou J. N. Darby, “Pontos de vista
eclesiásticos diferentes não representam razão suficiente para colocar fora uma
alma. Mas se alguém deseja estar entre os irmãos um dia e no próximo entre as
seitas, eu não deveria permitir isso, e não deveria receber tal pessoa, pois,
ao invés de usar da liberdade que pertence a ela para apreciar a comunhão
espiritual entre os filhos de Deus, ela avança na pretensão de mudar a ordem da
casa de Deus e perpetuar a divisão dos Cristãos”. Fica claro que uma pessoa
assim não estaria sendo honesta com nenhuma das posições. Darby também afirmou
que a degradação e a corrupção aumentam cada vez mais no testemunho Cristão,
ficando cada vez mais difícil colocar em prática este princípio. À medida que
os dias se tornarem mais sombrios será necessário um discernimento cada vez
maior. Em nossos dias esse princípio raramente tem acontecido.
O Visitante Ocasional
W.
Potter disse: “Eu não me sinto feliz tendo que pensar que às vezes a mesa do
Senhor se torna, por assim dizer, uma conveniência. Por exemplo, alguns entre
nós têm parentes que os visitam. Eles são membros de alguma denominação, mas
vêm com seus parentes à reunião e desejam participar conosco da ceia ‘simplesmente
como Cristãos’. A mim me parece que uma consciência correta e íntegra os
levaria às suas igrejas. Eles simplesmente vêm pela ocasião da visita, porque
eles não se importam em se separarem dos amigos por um momento. Nesse ponto eu
não estou feliz”.
“Parece-me
que, em tais casos, a nossa responsabilidade não é a de recusar a participação
deles, mas de colocá-los a par da razão pela qual estamos reunidos; que a nossa
posição é um protesto prático contra a falta de base bíblica das denominações,
e que eles, ao participarem conosco no ato da ceia naquele momento,
identificam-se conosco nessa posição, que é de protesto contra aquilo que eles
estão conectados e defendem confessadamente. Estariam eles dispostos, mesmo que
por um momento, a se identificarem conosco? Onde as almas estão exercitadas, é
outra questão, e parece-me que alguém se sentiria realmente muito à vontade em
sentar-se à mesa com eles”.
“Não
é o exercício da alma o que importa? Assim nenhuma regra pode ser estabelecida.
Certamente não viria do Senhor a exigência de que uma alma piedosa e
exercitada, conectada com qualquer uma das, por assim dizer, denominações
tradicionais, cortasse seus laços com a sua igreja, antes que permitíssemos que
participasse conosco à mesa. Parece-me que fazer isso é negar praticamente o
terreno sobre o qual estamos reunidos”.
“Em
relação às reuniões que se professam estar reunidas ao nome do Senhor, eu
acredito tratarem-se totalmente de outra questão. Eles professam estar reunidos
ao Seu nome, e devem saber porque estão separados de nós e nós deles. Se alguns
deles têm o desejo de participar da mesa conosco, as suas razões para isso
devem ser examinadas e medidas tomadas de acordo com o que for encontrado. Há
sempre mais conhecimento entre eles, com relação à verdade divina, do que com
os santos nas denominações, e creio que, de modo geral, eles não são tão
ignorantes das causas das divisões entre nós, como alguns deles, às vezes,
fazem-nos pensar”.
Em
Israel havia “porteiros” e “guardadores da entrada” que cuidavam
dos portões e guardavam as portas da casa de Deus (1 Cr 9:17-27). O dever deles
era deixar entrar os que deveriam estar dentro e recusar a admissão dos que
deveriam ser mantidos fora. Da mesma forma hoje, em uma assembleia nos moldes
bíblicos, haverá este tipo de cuidado.
Outra
figura no Velho Testamento demonstra esse cuidado no recebimento. Quando a
cidade de Jerusalém, o centro divino na Terra onde o Senhor colocou Seu nome,
foi reconstruída nos dias de Neemias, havia ao seu redor grande perigo por
conta dos inimigos. Consequentemente, eles não abriam as portas para permitir
que as pessoas adentrassem à cidade até que “o Sol aquecesse” [literalmente “meio-dia”] (Ne 7:1-3.). Eles se certificavam de que não havia
nenhum vestígio de “escuridão” ao redor antes de receberem as pessoas na
cidade. Até aquele momento, os que queriam entrar tinham que esperar. Enquanto
a escuridão na Cristandade aumenta nestes últimos dias, cuidado deste tipo é
necessário no recebimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário