segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Princípios de Recepção


Princípios de Recepção

Importar-se com a glória de Deus, com relação ao que trazemos à comunhão, é algo que praticamente não existe na Cristandade hoje. Mesmo assim, a Bíblia ensina que a assembleia deve ter o cuidado em não trazer alguém à comunhão que possa estar envolvido com o mal, seja esse mal moral, doutrinal ou eclesiástico. O princípio é simples. Se uma assembleia local é responsável por julgar o mal em seu meio, tirando de comunhão os que o praticam (1 Co 5:12), então é natural que ela deva ser cuidadosa com o que ou quem ela introduz em seu meio.
Tem sido corretamente dito que a assembleia local não deve possuir uma comunhão aberta e nem deve ter uma comunhão fechada, mas sim, uma comunhão vigiada. A assembleia deve receber à mesa do Senhor todos os membros do corpo de Cristo a quem a disciplina bíblica não impeça. Se, por um lado, todo Cristão possui o direito de estar à mesa do Senhor, por outro nem todo Cristão possui necessariamente o privilégio de estar nela, pois este privilégio pode ser perdido por seu envolvimento com alguma forma de mal.

Quem Decide Quem Deveria Estar em Comunhão?

É importante entender que os irmãos na assembleia local não decidem o que é adequado à mesa do Senhor e o que não é. A Palavra de Deus decide. A razão é que a mesa não é dos irmãos; ela é “a mesa do Senhor” (1 Co 10:21). As preferências pessoais dos que fazem parte da assembleia não têm nada a ver com recepção. A Palavra de Deus decide tudo. Se não existir um motivo bíblico para recusara a alguém a comunhão à mesa do Senhor, tal pessoa deve ser recebida. Se um crente já tiver sido batizado, for são na fé e piedoso em seu andar, não existe motivo para ser rejeitado. O nível de conhecimento da Escritura não é um critério neste sentido. Ainda que seja um crente limitado em seu conhecimento, a Escritura diz: “Mas acolhei o que é fraco na sua fé, não para discutir as suas dúvidas” (Rm 14:1 – TB).
Todavia, nem sempre se pode determinar de imediato se alguém é são na fé e piedoso em seu andar. Quanto maior a confusão no lugar de onde a pessoa tiver saído, seja do meio Cristão ou do mundo, maior a dificuldade de se determinar essas coisas. Se for este o caso, a sabedoria indicará que a assembleia deveria pedir à pessoa que tem o desejo de estar em comunhão que aguarde. Isto não significa que a assembleia esteja afirmando que tal pessoa tenha alguma associação com o mal. Poderia até ser o caso, porém os irmãos simplesmente não sabem, e devem esperar até que estejam convencidos de não ser este o caso, pois eles são, em última análise, os responsáveis diante de Deus pelas pessoas que são recebidas em comunhão. A Escritura ensina: “A ninguém imponhas precipitadamente as mãos, nem participes dos pecados alheios” (1 Tm 5:22). Este versículo fala da comunhão pessoal com alguém numa base individual, mas o princípio é amplo o suficiente para guiar os santos na comunhão coletiva da assembleia à mesa do Senhor. Alguém maduro e piedoso não se sentirá ofendido com isso, pois certamente nenhum Cristão piedoso iria querer que a assembleia violasse um princípio bíblico. Na verdade, todo esse cuidado deveria dar a ele a confiança de estar entrando em uma comunhão de Cristãos onde existe a preocupação com a glória do Senhor e a pureza da assembleia.

Os Testemunhos Pessoais Não Seriam Suficientes?

Outro importante princípio sobre o qual a assembleia, funcionando de maneira bíblica, vai agir é que não fará coisa alguma pela boca de uma testemunha. Tudo o que se refere à assembleia deve ser feito de acordo com este princípio: “Por boca de duas ou três testemunhas, toda questão será decidida” (2 Co 13:1 – ARA). Confira também o que diz em João 8:17 e Deuteronômio 19:15. Por esta razão a assembleia não deve receber pessoas com base no testemunho delas mesmas. As pessoas naturalmente costumam dar um bom testemunho de si mesmas, como a própria Escritura afirma: “Todos os caminhos do homem são limpos aos seus olhos” (Pv 16:2). E: “Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória” (Jo 7:18). Por isso pode ser preciso pedir a uma pessoa que deseja entrar em comunhão que aguarde até que outros da assembleia a conheçam melhor, e então a assembleia pode recebê-la com base no testemunho de outros.
Este é um princípio que encontramos por toda a Escritura. Até mesmo o Senhor Jesus Cristo, o Senhor da Glória, sujeitou-Se a este princípio quando Se apresentou aos judeus como seu Messias. Ele disse; “Se Eu testifico de Mim mesmo, o Meu testemunho não é verdadeiro [válido] (Jo 5:31). Em seguida Ele continuou apresentando quatro outros testemunhos que comprovavam Quem Ele era: João Batista, Suas obras, Seu Pai e as Escrituras (Jo 5:32-39). Apesar dos vários testemunhos que testificavam d’Ele como sendo o Messias, o Senhor advertiu aos judeus de que chegaria um tempo quando a nação receberia um falso messias (o anticristo) sem testemunhos. Ele disse: “Se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis” (Jo 5:43). Assim o Senhor reprovou a prática de se receber alguém com base em seu próprio testemunho apenas.
Atos 9:26-29 nos dá um exemplo do cuidado que a Igreja primitiva tinha ao receber alguém à comunhão. Quando Saulo de Tarso foi salvo, ele quis entrar em comunhão com os santos em Jerusalém, porém foi rejeitado. Apesar de ser verdade tudo o que ele deva ter dito aos irmãos em Jerusalém sobre sua vida pessoal, mesmo assim ele não foi recebido com base em seu próprio testemunho. Foi só quando Barnabé levou Saulo consigo e o apresentou aos irmãos, testificando de sua fé e caráter, de modo que havia o testemunho de dois homens, que os irmãos o receberam. Daquele momento em diante Saulo “andava com eles em Jerusalém, entrando e saindo” (At 9:28).

O Teste da Profissão da Pessoa

Outro princípio para se receber alguém é que existe a necessidade de se colocar à prova a profissão de fé da pessoa. Se alguém diz ser Cristão, é preciso que prove isso deixando de lado todo pecado conhecido. Em 2 Timóteo 2:19 diz que “qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade”. Veja também Apocalipse 2:2 e 1 João 4:1. Se essa pessoa não se apartar da iniquidade, ele não é verdadeiro em sua confissão de fé. Isto é ainda mais importante em uma época de ruína e abandono do testemunho Cristão, quando abundam doutrinas e práticas perniciosas de todos os tipos.
Se uma pessoa sustenta má doutrina, está claro que a assembleia não deve recebê-la, pois se o fizer ficará em comunhão com o mau ensino. (Compare 2 Jo 9-11). Não falamos aqui das diferenças que as pessoas possam ter a respeito de assuntos como o batismo, por exemplo, mas de coisas que digam respeito aos fundamentos da fé Cristã. A Escritura diz: “Ora, o Deus de paciência e consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo Cristo Jesus. Para que concordes, a uma boca, glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto recebei-vos uns aos outros, como também Cristo nos recebeu para glória de Deus” (Rm 15:5-7). Se alguém que professasse má doutrina fosse recebido, como se poderia dizer que a assembleia estaria concorde e “a uma boca” glorificando a Deus? Os irmãos na assembleia estariam dizendo uma coisa e essa pessoa dizendo outra. O resultado seria confusão. O apóstolo Paulo disse aos Coríntios: “Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer” (1 Co 1:10).

Associações Eclesiásticas

Paciência e discernimento são precisos para identificar o mal eclesiástico em alguém. Existe uma diferença entre alguém estar associado ao erro clerical por ignorância e uma pessoa ativamente envolvida e promovendo tal erro. Um crente que desconhece a ordem bíblica para a adoração e o ministério Cristão pode vir à assembleia e querer partir o pão à mesa do Senhor vindo de uma denominação criada por homens e onde seja adotada uma ordem clerical. Ainda que essa pessoa esteja associada ao erro eclesiástico, ela não está, nesse ponto, no mal eclesiástico. E se tal pessoa for conhecida por sua piedade no andar e professar sã doutrina, não deveria haver impedimento para que ela partisse o pão, mesmo que não tenha se desligado formalmente de sua associação com aquela denominação.
A grande questão é: “quando uma associação inconsciente com o erro eclesiástico se torna um mal eclesiástico?” Cremos que a resposta é quando a vontade da pessoa está envolvida nisso. Para detectar essa vontade é preciso que a assembleia tenha um discernimento sacerdotal. Em casos assim a assembleia precisa depender muito do Senhor para conhecer a Sua mente a respeito do assunto. Em condições normais os irmãos deveriam permitir que essa pessoa partisse o pão, esperando e confiando que Deus estaria trabalhando em seu coração e que ela, após ter participado da ceia do Senhor, iria abandonar aquele terreno em que tinha estado antes, e continuar com aqueles reunidos ao nome do Senhor.
Esse princípio é visto na passagem em 2 Crônicas 30 e 31. Ezequias chamou o povo de Judá e os das dez tribos dispersas para virem ao divino centro em Jerusalém e participarem da Páscoa. Ele não insistiu que eles destruíssem seus ídolos antes de virem. Depois de que vieram e apreciaram a Páscoa em Jerusalém, eles voltaram para casa e destruíram seus ídolos e imagens. (Não estamos insinuando que as denominações criadas pelos homens na Cristandade sejam comparáveis à idolatria. Estamos falando apenas do princípio de uma pessoa se desconectando de um erro religioso anterior). O que é interessante notar neste caso é que Ezequias não lhes falou para agirem assim! Aquilo foi uma resposta vinda do coração deles pelo simples fato de terem estado na presença do Senhor em Jerusalém. Todavia, se alguém deseja continuar indo a ambos os lugares regularmente, isto não deveria ser permitido. Como assinalou J. N. Darby, “Pontos de vista eclesiásticos diferentes não representam razão suficiente para colocar fora uma alma. Mas se alguém deseja estar entre os irmãos um dia e no próximo entre as seitas, eu não deveria permitir isso, e não deveria receber tal pessoa, pois, ao invés de usar da liberdade que pertence a ela para apreciar a comunhão espiritual entre os filhos de Deus, ela avança na pretensão de mudar a ordem da casa de Deus e perpetuar a divisão dos Cristãos”. Fica claro que uma pessoa assim não estaria sendo honesta com nenhuma das posições. Darby também afirmou que a degradação e a corrupção aumentam cada vez mais no testemunho Cristão, ficando cada vez mais difícil colocar em prática este princípio. À medida que os dias se tornarem mais sombrios será necessário um discernimento cada vez maior. Em nossos dias esse princípio raramente tem acontecido.

O Visitante Ocasional

W. Potter disse: “Eu não me sinto feliz tendo que pensar que às vezes a mesa do Senhor se torna, por assim dizer, uma conveniência. Por exemplo, alguns entre nós têm parentes que os visitam. Eles são membros de alguma denominação, mas vêm com seus parentes à reunião e desejam participar conosco da ceia ‘simplesmente como Cristãos’. A mim me parece que uma consciência correta e íntegra os levaria às suas igrejas. Eles simplesmente vêm pela ocasião da visita, porque eles não se importam em se separarem dos amigos por um momento. Nesse ponto eu não estou feliz”.
“Parece-me que, em tais casos, a nossa responsabilidade não é a de recusar a participação deles, mas de colocá-los a par da razão pela qual estamos reunidos; que a nossa posição é um protesto prático contra a falta de base bíblica das denominações, e que eles, ao participarem conosco no ato da ceia naquele momento, identificam-se conosco nessa posição, que é de protesto contra aquilo que eles estão conectados e defendem confessadamente. Estariam eles dispostos, mesmo que por um momento, a se identificarem conosco? Onde as almas estão exercitadas, é outra questão, e parece-me que alguém se sentiria realmente muito à vontade em sentar-se à mesa com eles”.
“Não é o exercício da alma o que importa? Assim nenhuma regra pode ser estabelecida. Certamente não viria do Senhor a exigência de que uma alma piedosa e exercitada, conectada com qualquer uma das, por assim dizer, denominações tradicionais, cortasse seus laços com a sua igreja, antes que permitíssemos que participasse conosco à mesa. Parece-me que fazer isso é negar praticamente o terreno sobre o qual estamos reunidos”.
“Em relação às reuniões que se professam estar reunidas ao nome do Senhor, eu acredito tratarem-se totalmente de outra questão. Eles professam estar reunidos ao Seu nome, e devem saber porque estão separados de nós e nós deles. Se alguns deles têm o desejo de participar da mesa conosco, as suas razões para isso devem ser examinadas e medidas tomadas de acordo com o que for encontrado. Há sempre mais conhecimento entre eles, com relação à verdade divina, do que com os santos nas denominações, e creio que, de modo geral, eles não são tão ignorantes das causas das divisões entre nós, como alguns deles, às vezes, fazem-nos pensar”.
Em Israel havia “porteiros” e “guardadores da entrada” que cuidavam dos portões e guardavam as portas da casa de Deus (1 Cr 9:17-27). O dever deles era deixar entrar os que deveriam estar dentro e recusar a admissão dos que deveriam ser mantidos fora. Da mesma forma hoje, em uma assembleia nos moldes bíblicos, haverá este tipo de cuidado.
Outra figura no Velho Testamento demonstra esse cuidado no recebimento. Quando a cidade de Jerusalém, o centro divino na Terra onde o Senhor colocou Seu nome, foi reconstruída nos dias de Neemias, havia ao seu redor grande perigo por conta dos inimigos. Consequentemente, eles não abriam as portas para permitir que as pessoas adentrassem à cidade até que “o Sol aquecesse” [literalmente “meio-dia”] (Ne 7:1-3.). Eles se certificavam de que não havia nenhum vestígio de “escuridão” ao redor antes de receberem as pessoas na cidade. Até aquele momento, os que queriam entrar tinham que esperar. Enquanto a escuridão na Cristandade aumenta nestes últimos dias, cuidado deste tipo é necessário no recebimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário